quinta-feira, março 19, 2009

ESCUTATÓRIA


por Rubem Alves


Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória.
Todo mundo quer aprender a falar... Ninguém quer aprender a ouvir.
Pensei em oferecer um curso de escutatória, mas acho que ninguém vai se matricular.
Escutar é complicado e sutil.
Diz Alberto Caeiro que... Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. É preciso também não ter filosofia nenhuma. Filosofia é um monte de idéias, dentro da cabeça, sobre como são as coisas. Para se ver, é preciso que a cabeça esteja vazia. Parafraseio o Alberto Caeiro: Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito. É preciso também que haja silêncio dentro da alma. Daí a dificuldade: A gente não agüenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor...
Sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer. Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração...
E precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor.
Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil de nossa arrogância e vaidade. No fundo, somos os mais bonitos...
Tenho um velho amigo, Jovelino, que se mudou para os Estados Unidos estimulado pela revolução de 64. Contou-me de sua experiência com os índios: Reunidos os participantes, ninguém fala. Há um longo, longo silêncio. Vejam a semelhança... Os pianistas, por exemplo, antes de iniciar o concerto, diante do piano, ficam assentados em silêncio... Abrindo vazios de silêncio... Expulsando todas as idéias estranhas.
Todos em silêncio, à espera do pensamento essencial. Aí, de repente, alguém fala. Curto. Todos ouvem. Terminada a fala, novo silêncio.
Falar logo em seguida seria um grande desrespeito, pois o outro falou os seus pensamentos...
Pensamentos que ele julgava essenciais.
São-me estranhos. É preciso tempo para entender o que o outro falou. Se eu falar logo a seguir... São duas as possibilidades. Primeira: Fiquei em silêncio só por delicadeza. Na verdade, não ouvi o que você falou. Enquanto você falava, eu pensava nas coisas que iria falar quando você terminasse sua (tola) fala. Falo como se você não tivesse falado. Segunda: Ouvi o que você falou. Mas, isso que você falou como novidade eu já pensei há muito tempo. É coisa velha para mim. Tanto que nem preciso pensar sobre o que você falou.
Em ambos os casos, estou chamando o outro de tolo. O que é pior que uma bofetada.
O longo silêncio quer dizer: Estou ponderando cuidadosamente tudo aquilo que você falou.
E, assim vai a reunião. Não basta o silêncio de fora. É preciso silêncio dentro. Ausência de pensamentos. E aí, quando se faz o silêncio dentro, a gente começa a ouvir coisas que não ouvia. Eu comecei a ouvir. Fernando Pessoa conhecia a experiência...
E, se referia a algo que se ouve nos interstícios das palavras... No lugar onde não há palavras.
A música acontece no silêncio. A alma é uma catedral submersa.
No fundo do mar - quem faz mergulho sabe - a boca fica fechada. Somos todos olhos e ouvidos.
Aí, livres dos ruídos do falatório e dos saberes da filosofia, ouvimos a melodia que não havia... Que de tão linda nos faz chorar. Para mim, Deus é isto: A beleza que se ouve no silêncio. Daí a importância de saber ouvir os outros: A beleza mora lá também. Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam num contraponto. __._,_.___

terça-feira, março 17, 2009

Jornalismo Com Paixão ou Jornalismo Com Amor

Tenho lido muitos textos jornalísticos que circulam na TV, nos jornais, na internet. Artigo sobre temas polêmicos que exigem posições por parte de quem os lê. Alguns deles são constituídos de análises criteriosas, elaboradas, mas que pecam pela falta de paixão. Outros são textos apaixonados, mas pecam pela falta de uma análise mais profunda e a exata determinação dos fatos. É muito comum haver a intenção de colocar as duas faces da informação, porém observarmos apenas uma no corpo da notícia. São os chamados artigos de opinião, onde o autor apresenta seu ponto de vista sobre notícias divulgadas pela mídia. Embora para escrever um artigo de opinião não seja necessário ser jornalista, o autor deve estar preparado para expressar suas idéias da forma mais coerente possível. O jornalismo sobrevive, foi criado, em cima de informações. Infelizmente informar o público corretamente não altera a consciência desse público, ( cito como exemplo as campanhas contra o cigarro, as prevenções contra as doenças sexualmente transmissíveis, etc.). E intuindo isso surgem os textos apaixonados. O que também é um erro, pois os apaixonados podem convencer alguém de suas propostas por um curto período de tempo. Recentemente li um texto, escrito por um amigo e sua namorada que agredia verbalmente a Senadora Hilary Clinton. Era um texto apaixonado onde expressava todo o descontentamento que tinham pelas ações da senadora quanto aos países do terceiro mundo. Eu compreendi a mensagem que não era contra a Senhora Hilary, mas sim contra tudo que ela representava e representa. O artigo foi amplamente debatido e as críticas foram muitas. Eu pessoalmente partilho das idéias apresentadas no texto. Reconheço e vejo os problemas que a ambição de uma grande potência trás a todos os países latinos americanos e mais recentemente ao mundo (exemplo da maior crise financeira causada pela guerra contra o Iraque). Apesar disso o jornalismo não pode ter espaço para paixões, embora o gosto pelo jornalismo se inicie pela paixão. Uma amiga me alertou para alguns pontos que devem ser levados em consideração, como a dificuldade de separar nossas emoções de nossos escritos, porque o homem é um ser emocional, seu olhar sobre um determinado fato trás inserido seu código moral, seus valores e sua visão de mundo.. Sei que pode parecer um tanto ambíguo pois o exercício da imparcialidade pede uma disciplina severa sobre nosso trabalho. A faculdade de comunicação nos prepara para assumir essa tarefa. Ela nos tira a paixão e nos mostra o real caráter da notícia. A paixão em qualquer área de nossa vida é um fogo que nos alavanca, que nos faz correr riscos, nos desafia nos envolve. A paixão nos dá força, energia, mas ela é apenas o fogo inicial de algo muito maior. O amor. Se o fogo termina, o amor sobrevive. Ele nos incentiva a olhar com os olhos do coração, a não julgar, a sermos imparciais. E é assim, essa grande palavra, IMPARCIALIDADE, esse é o sinônimo do jornalismo. Não a paixão pela busca e divulgação das informações, mas a imparcialidade para mostrar os dois lados de uma notícia ao público que confia em nosso trabalho. Todos os que trabalham com comunicação sentem os efeitos do fogo da paixão, mas é no decorrer dos anos que sentimos esse fogo se solidificar no amor pelo jornalismo. O amor as reportagens simples, aos artigos analisados e pautados pelos dois lados da informação, sem julgamentos, pois não nos cabe julgar. Aos jornalistas cabe divulgar a informação de forma clara com todos os fatos possíveis. Quanto ao julgamento, deve ser da justiça quando for o caso ou dos leitores. Claro que existem e tem muitos artigos de opinião. A opinião de quem faz a matéria, de quem opina. Porém a ampla maioria das notícias deve ser imparcial. O artigo de opinião é fundamental em impressões pessoais do autor, pois a credibilidade aumenta na medida em que o público avalia a coerência deste trabalho. Esse é o grande motivo que devemos, temos que exercitar essa prática com amor. Paixão e amor. Duas premissas que fazem parte, tanto no jornalismo, quanto da nossa vida.