quarta-feira, outubro 06, 2010

Esquerda e direita, tudo como sempre no front das ideologias

Artigo escrito pelo jornalista Juremir Machado e publicado no jornal Correio do Povo em 06.10.2010

"A direita brasileira adora afirmar que não há mais direita e esquerda. Imediatamente passa a criticar a esquerda. Conclui-se que no Brasil só haveria esquerda. A direta se vê como não ideológica, a pura expressão da verdade. Nos Estados Unidos, seria o contrário: há direita, mas quem é mesmo a esquerda? Na Alemanha, todo mundo quer ser de centro. Na França, direita e esquerda designam-se como tal. Um parlamentar, na televisão, diz: “Nós da direita...” Em Israel, direita e esquerda representam projetos cristalinos. A campanha eleitoral brasileira revelou que o Brasil tem direita e esquerda bem definidas: PSDB e PT. Tem também extrema-direita e extrema-esquerda: Dem, PP, PSOL, PSTU, PCO. Também não falta centro (direita ou esquerda): PTB, PMDB, PV, PDT.
Apenas dois partidos têm projetos nacionais: PT e PSDB. O PMDB oscila entre eles de acordo com as conveniências, com ligeira inclinação à esquerda e grande inclinação para os cargos. Os tucanos, ao firmarem pacto com o Dem, resvalaram para o discurso reacionário típico da UDN dos anos 1950. O último governo de Getúlio Vargas, que acabou no suicídio do presidente, foi de centro-esquerda. Não havia bolsa-família. Mas Getúlio assinou um aumento de 100% para o salário mínimo e criou a Petrobrás, frustrando os interesses de multinacionais e de seus parceiros nacionais. Restou para a direita o discurso “moralista” contra a corrupção. A “Tribuna de Imprensa”, de Carlos Lacerda, era a “Veja” da época. O Estado de S. Paulo era o Estadão conservador de sempre.
A corrupção sempre deve ser denunciada. Impiedosamente. Pode-se, no entanto, perguntar: quando termina a denúncia e começa a campanha política disfarçada de jornalismo investigativo? O truque consiste em transformar o que é pontual em total. Converte-se um sinal na pele em sintoma de uma metástase. Já ouviram falar em metonímia? É uma figura de linguagem pela qual, segundo o Aurélio, entre outras coisas, a parte pode representar o todo. Direita e esquerda usam esse mesmo recurso: se a parte sabe, o todo sabe. Se a parte está contaminada, o todo também. Em geral, é pura inferência. Como dizia Balzac, para a imprensa tudo o que é provável (verossímil) é verdadeiro. Os fatos nem sempre concordam.
A direita brasileira recusa-se a assumir-se como direita. De quebra, tenta convencer a esquerda a negar-se. O PSDB bem que podia dar um bom exemplo e admitir que se tornou de direita. É legítimo. Essa conversa de que esquerda e direita são termos e expressões ultrapassadas está ultrapassada. Foi um golpezinho retórico dos anos hegemônicos do neoliberalismo. Caducou. Fez parte de uma guerra ideológica e de marketing. Todo tucano adora pensar que é racional e que só o seu adversário tem ideologia. Os tucanos acham que as ideias dos outros são opiniões, enquanto as suas seriam constatações. Há petistas, por seu turno, que gostam de imaginar que têm projetos, enquanto os outros só teriam interesses. A eleição foi categórica: esquerda e direita em confronto."


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